-
Desde o ínício da década de 1990, artistas brasileiros integrantes do Grupo Neoconcreto passaram a receber atenção crescente de museus internacionais. Por enquanto, o interesse de instituições norte-americanas e europeias pela produção dos artistas que participaram do Neoconcretismo tem sido direcionado a um artista por vez, com grandes mostras individuais de Hélio Oiticica, Lygia Clark e Lygia Pape. Nesse contexto de valorização internacional da arte brasileira, o centenário de nascimento de Amilcar de Castro é um momento propício para estudos aprofundados sobre o escultor que transformou o plano em espaço.
Há um aspecto na produção do artista mineiro que corrobora a importância do Neoconcretismo, e da obra de Amilcar de Castro individualmente, para a história da arte ocidental: desde o Renascimento, o espaço tridimensional tem sido matematicamente achatado para o plano da pintura. A predominância da representação do espaço com a técnica da perspectiva linear e o impacto dessa forma simbólica na cultura estancou a relação entre mundo e sujeito no mesmo ponto – de fuga? Nós percebemos o espaço como nos foi dado a percebê-lo em representações bidimensionais nos últimos 600 anos. É nesse sentido que a escultura de Amilcar de Castro nos devolve o mundo: partindo do plano, ele finca no chão uma estrutura tridimensional que abre frestas para outras dimensões da experiência com o espaço que nos envolve.
Assim, não só Amilcar de Castro é figura central na “tomada de posição em face da arte não-figurativa ‘geométrica’ (…) e particularmente em face da arte concreta levada a uma perigosa exacerbação racionalista”, como declarado nas primeiras linhas do Manifesto Neoconcreto, como também é um artista que inverte o sentido do empobrecimento dimensional da nossa relação com o real. O que poderia ser mero anteparo, chapa de ferro fechando a possibilidade multi-dimensional da experiência com o real, é cortado e dobrado para ser túnel de passagem e expansão para outras dimensões.
O tempo, essa dimensão que está para além da tridimensionalidade, apresenta-se para quem interage com uma escultura de Amilcar de Castro na passagem da luz pelo corte e na mudança de iluminação causada pela dobra. A luz muda também à medida em que nos movimentamos em torno da escultura, enquanto percebemos o encontro entre a obra, o espaço e o tempo. No movimento de nossos corpos, verificamos a simplicidade efetiva dos dois gestos, corte e dobra, para a revelação de um mundo multi-dimensional e indiviso. Procurando uma solda entre partes, não a encontraremos. Como na proposta Merleu-pontiana, que inspirou Ferreira Gullar na escrita do manifesto Neoconcreto, a escultura de Amilcar de Castro é uma totalidade e incita a percepção total: ouvir o mundo pela visão do corte, acariciar com os olhos a textura da dobra.
Essa totalidade sensorial se impõe na relação do observador com as telas de Amilcar de Castro. A audição faz parte da experiência de observar as pinturas de gesto simples e direto. Não há pincelada e sim varredura; as linhas parecem feitas com o som do atrito de uma trincha grossa no tecido da tela. As formas resultantes não descartam os ângulos, mas desafiam a racionalidade matemática em repetições espiraladas da borda para o centro. São pinturas que permitem a mancha, o caos, o gesto revelando um lado de lá do real, que a matematização do espaço evitou por tantos séculos levantando o anteparo da pintura como representação de uma aparência do mundo.
As esculturas com vidro, nesse sentido, são como prismas que fornecem um indício de que a percepção que temos do real depende do anteparo que nos separa ou nos integra a ele, da refração que a transparência do anteparo produz como mediação. Nessas obras transparentes, fica clara a proposta de Amilcar de Castro de que olhar para uma de suas esculturas inclui o olhar para o mundo. E um olhar do mundo, em nossa direção, passando pela obra. Vemos, somos vistos, percebemos, somos percebidos na relação com a obra neoconcreta.
É de se esperar que os importantes estudos já publicados no Brasil sobre o Neoconcretismo reverberem cada vez mais na cena internacional, colocando, assim, a virada brasileira rumo ao Construtivismo no cânone da história da arte ocidental. Amilcar de Castro é um artista fundamental para a compreensão da grandeza do projeto Neoconcreto.
Paula Braga, 2020.
-
Créditos: Canal Arte1
-
-
-
-
Jornal do Brasil
A partir de 1957, Amilcar começa a cuidar da diagramação do Jornal do Brasil, veículo de comunicação impressa de extrema relevância na época. A sutileza do artista em trabalhar os espaços em branco nas páginas do jornal funcionava como respiro intencional para aquele determinado meio, demonstrando o pensamento presente no trabalho de Amilcar notável também em suas esculturas e telas.
-
Esculturas no Instituto Amilcar de Castro
períodos diversos -
década de 60
-
A década de 60 foi um período fundamental para o reconhecimento de Amilcar no cenário artístico internacional. Em 1960, o artista participa da exposição internacional de arte concreta “Konkrete Kunst”, organizada por Max Bill, em Zurique.
Em 1965, ele ganha o prêmio da Fundação Guggenheim, concedido para os anos de 1968 a 1969. Foi a primeira vez que um artista brasileiro recebeu a bolsa da Fundação Guggenheim. Dois anos depois, em 1967, Amilcar também recebe o Prêmio de Viagem ao Exterior do XVII Salão Nacional de Arte Moderna (MEC, Rio de Janeiro). Durante o período em que viveu nos EUA (1968 a 1970), Amilcar se depara com dificuldades para encontrar mão de obra com expertise em aço e acesso a equipamentos de grande porte para cortar e dobrar as chapas. obrigando-o a buscar outras soluções para o seu trabalho. O material passou a ser o aço inoxidável e as esculturas eram placas de aço em formatos diferentes, unidas por uma argola do mesmo material, formando grandes “chaveiros”.
-
-
Peter Cohn, diretor e fundador da Dan Galeria discorre sobre vida e obra do artista Amilcar de Castro.
Créditos: Canal Arte1
-
-
-
-
-
-
-
-
-
série Linhas
-
-
" O que caracteriza um artista é ele olhar para dentro de si mesmo. Toda experiência em arte é um experimentar-se, é a experiência de si mesmo, é uma pesquisa em você mesmo. Você não pode fazer experiências com os outros. Este silêncio do olhar para dentro à procura da origem das coisas é que é o grande problema da arte. Procurando a origem você fica original, e não, querendo fazer uma coisa diferente. É por isso que eu acho que criar está junto com viver, que arte e vida são a mesma coisa."